sábado, 4 de abril de 2015

Sobre cervejas, chocolates e o preço dos Ovos de Páscoa.

A gente aqui, 18+, já sabe que o chocolate que faz o ovo de páscoa e o tablete é o mesmo, e por isso nos revoltamos tanto ao pagamos 528% a mais na mesma mercadoria em shapes diferentes. A não ser que falemos de um artesanal de colher, trufado ou feito pela avó, não vale MESMO a pena pagar R$24,90 em 180grs de chocolate, 2 bombons e papel alumínio.

Ben10, Peppa Pig, Barbie, Trakinas e tantos atributos pascalinos não funcionam mais com a gente. Mas que tal cerveja? Minha ideia para esta Páscoa: uma cerveja e um tablete de chocolate, divinamente harmonizados. Vale mais que qualquer ovão de Nhá Benta, acreditem em mim...

Chocolate e cerveja se conversam há tempos, afinal temos cacau na receita de tantas nacionais e até mesmo importadas, como a Brooklyn Chocolate Stout, a Yongs Double Chocolate Stout e Meantime. Chocolate harmoniza por semelhança com cerveja de malte torrado e por diferença nos casos dos brancos com as fruitbeers, por exemplo. Segue algumas dicas, todas de cervejas que já passaram por aqui – ou seja, perfeitas!

Os tradicionais:

Chocolate ao leite




Ah, mas é claro que eu escolhi um Lindor. Não é porque estou deixando o glamour dos ovos de páscoa eu quero pouco. Tem a cremosidade, o sabor de chocolate mais “limpo”, as bolinhas tem um tamanho ideal pra morder, bebericar e criar uma nova experiência de sabor! E, porque o chocolate ao leite é mais adocicado, sugiro a Young’s Double Chocolate Stout. A mistura do leite e cremosidade do chocolate e o torrado da cerveja vai dar um clima de Mocha no paladar. Algo entre o fantástico e o inigualável.
Dica 2: vale um Gold Bunny da Lindt tb. Eu me renderia...

Chocolate amargo / >70% cacau


“Gente mas ela só conhece Lindt?”



Acho chique, mas confesso que não é nem de longe uma opção pra mim. Cerveja para mim é amarga, chocolate doce. Tenho isso muito bem definido no meu paladar, rs! Mas para quem gosta, quanto mais cacau melhor. E para harmonizar, vamos atrelar o torrado do malte com o amargor do chocolate. A Wäls Petroleum é perfeita, porque além de ser maturada com cacau belga, tem um teor alcoólico alto, que causa sensação de aquecimento na boca e ajuda a derreter o chocolate.

Chocolate Branco


Meu favorito. E você vai me dizer que não é chocolate de verdade. Concordo, mas fazer o que? E quando você provar este Casino Chocolat Blanc talvez concorde comigo. Chocolate branco nada mais é do que um “creme de gordura e açúcar”. Sim, é. Mas harmonize então com algo que quebre esta gordura e balanceie o dulçor excessivo com a acidez e carbonatação, como uma fruit lambic ou fruit beer (uma mais ácida, outra mais doce). Como a minha favorita Früli parece que nunca vai vir pro Brasil, outra perfeita é a Hoogarden Rosée, com toque de coentro como sua madre witbier, mas com raspas de framboesas.

Os incrementados:

Chocolate Trufado

Como tem menos açúcar e rum na composição, porque não inovar? A perfeita Strong Ale Vintage Coopers é safrada e produzida com malte especial, maturada em barris de carvalho por 5 anos. Com seu teor alcoólico mais elevado e o sabor puxando para frutas secas, harmoniza com o sabor quase-que-alcoólico da trufa, e atenuando o amargor.


Chocolate com frutas vermelhas



Branco ou ao leite, as frutas vermelhas sempre se evidenciam nesta combinação, trazendo notas de morango, cereja ou framboesa. Para equilibrar o dulçor do chocolate e acidez das frutas, vamos de fruit lambic. A Timmermans Framboise é uma boa pedida, já que é maturada em barril de carvalho, ácida e com adição de framboesa in natura. O dulçor desta combina bem com o chocolate e deixa o todo equilibrado, doce como a vida. Ou ainda, para ir mais para a acidez e menos para o frutado, dando vez aos mirtilos - aquela frutinha quase preta quase roxa cheia de encantamentos - que tal a Sherwood Forest, Maiden's blueberry Ale?


Prestígio / Chocolate com coco


Coco. Nada mais a declarar. Pra quem gosta, nirvana. Pra quem não gosta, fiapo. Mas vamos alinhar aqui que a mistura Nestlé Prestígio deu super certo e já virou até ovo de colher beijinho – vale também pra harmonização.
Com coco a harmonização nunca é a mais fácil, mas vale uma do estilo inglês, envelhecida com esteres de coco queimado, mais licorosa e alcoólica. Assim, “de bate pronto” penso na Innis&Gunn, que provei em Londres e quando falamos de Scotch Ale é ela que corre na minha memória. Mas já que estamos falando de um chocolate querido nacional, vale provar com a Wee Haevy, da Bodebrown, que tá aqui na minha prateleira esperando alguém me dar um prestígio pra harmonizar.


Chocolate com avelãs


Nuts. Aqui a gente pode falar de amêndoas, nozes, avelãs, castanhas, amendoim. Deixa a língua mais lisa, engordurada – gordura boa – e um sabor mais terroso na boca, amendoado, acastanhado... Neste caso, a melhor pedida é evidenciar o sabor mas limpar a gordura do palato. Claro que a sugestão mais óbvia seria da Way Avelã Porter. Mas eu fui lá atrás nas anotações e encontrei a Madera. Uma Old Ale piracicabana de 9% abv, também maturada em barril de carvalho e de notas tão amendoadas quanto qualquer Talento.
---

Ok, então você decidiu mesmo que quer presentear com um ovo. Minha sugestão: meia-banda, pequena, de colher, harmonizada. Ainda fica mais barato que o Nestlé Classic.

Brigadeiro

A receita é simples, brasileira e inigualável. Dispensa apresentações e harmoniza bem com outra brasileira, claro. Por uma ironia e uma das minhas lindas, nunca escrevi sobre a Colorado Demoiselle – me retratarei em breve – mas acho opção mais que válida uma Baden Baden Stout. Por quê? Porque é chocolate e ponto. Acho que este tipo de doce e este tipo de cerveja dispensam explicações longas. #partiupaodeacucar

Nutella


É um creme de avelãs, ok? E sofro MUITO bullying por não morrer de amores por Nutella. Eu era apaixonada, mas acho que era trauma por não poder comprar. Daí, em Londres, comprei tanta Nutella na Poundland (versão grinda das lojas “tudo por 1 real”) que enjoei rude.

Bom, por ser um creme de avelãs, sugiro tanto as citadas nos chocolates com nuts acima quanto a minha querida Old Rasputin. Seca e amarga, mistura com a Nutella criando além de uma nova viscosidade, um sabor menos doce, mais torrado. Então, bullyers, podem me dar quantos potes de Nutella forem!

Limão


Doce de adulto, e ironicamente um dos meus favoritos. Azedinho, doce, cremoso, tropical. Geralmente gosto desta opção com chocolate branco, porque acho que os sabores se combinam melhor, mas é pessoal. E pessoalmente também sugiro uma Witbier, porque eu gosto da leveza dos dois. Mas acho também que uma Berliner Weiss Limão dá o toque da harmonização por semelhança perfeita, no cítrico, na acidez e no dulçor!

Nhá Benta

Não podia faltar na lista, e se você ainda não comprou o ovo e tá super a fim de uma filona na chocolateria mais famosa do Brasil (aviso: é nacional sabia?), vale colocar na sua cestinha uma Cream Porter. Porque o marshmallow é doce como açúcar, a gente não quer mais nada doce por aqui. Vamos balancear e criar a cremosidade perfeita em boca com a Way Cream Porter. Acho a mais válida, mas as Porters em geral seguram muito bem esta barra que é amar Nhá Benta na Páscoa...


De qualquer forma – barra, ovo, creme, de colher, na panela, no bolso – chocolate e cerveja forma uma dupla e tanto. Estas dicas valem pra Páscoa, para o bolo de aniversário, para a Festa Junina, Natal, sábado a noite em casal ou pra amenizar TPM. :)

Feliz Páscoa!

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Cerveja velha de guerra!

Pra falar da perfeita de hoje a gente volta um pouco no tempo... Primeiramente, 2008, o ano em que uma garota de sorriso largo e inglês macarrônico começa a trabalhar em um pub tradicional inglês, pertinho da famosa Picadilly Circus (ou, para os brasileiros atentos e turistas, perto da Lillywhites. Vcs sabem do que falo). Lá que conheci  - provei e odiei – a cask ale.

Cask ales, ou as “Real Ales”, são cervejas não pasteurizadas e não filtradas, condicionadas (inclusive na refermentação) e servidas a partir de um barril sem adição de pressão de nitrogênio ou gás carbônico. Para servir, já que não há pressão, uma torneira especial é utilizada, com bombas manuais ou elétricas – adoro as manuais, que são hidráulicas -  e dão aquele charme ao servir. Por estarem na temperatura ambiente e não terem pressão, apresentam uma carbonatação mais baixa e preservam assim suas características sensoriais. São mais terrosas, denotando o forte aroma de lúpulos ingleses, e os maltes e fermento aparecem nítidos e frescos. 


Na prática, falamos de uma cerveja quente e choca (definição honesta de quem tinha acabado de conhecer uma cerveja “diferente”). Na teoria, falamos da Real Ale, defendida pelos tradicionalistas como a cerveja de verdade. As Cask Ales são a base de toda a tradição cervejeira britânica. Com algumas modernizações à parte, os métodos são os mesmos utilizados há séculos. Esta tradição é tão forte que após sofrer um relativo declínio no final do século passado, um movimento de consumidores que buscava resgatar e preservar esta cultura chamado “Campaign for Real Ale” (ou CAMRA) exerceu com sucesso grande pressão política e cultural no mercado britânico. As Cask Ales hoje trazem até um selo do CAMRA que lhe dão notoriedade e respeito. Hoje, entendendo um pouco mais disso tudo, lembro-me dos festivais do pub e das minhas camisetas de uniforme com este selo que eu nem “conhecia mas hoje considero pacas”. Por enquanto, não temos Cask Ales no Brasil mas....

Eis que entra a Spifire.
Cerveja carregada de história, valor e muito sentimento. Feita pela Shepherd Neame, a cervejaria mais antiga da Inglaterra, que começou sua produção em 1698 (nome de uma de suas cervejas).  A Spitfire foi lançada em 1990, ano de comemoração dos 50 anos da batalha da Grã-Bretanha, para angariar fundos para ajudar os feridos e prejudicados em guerra, como soldados, filhos de pilotos e afins. Seu nome vem do caça britânico Supermarine Spitfire, que ficou famoso pela sua performance, mas principalmente por levar às tropas na Normandia barris de cerveja na segunda guerra. E essa é a melhor parte da história: imaginem que numa guerra, receber suprimentos de primeira necessidade já é complicado, então o que dizer sobre cerveja? Foi quando os pilotos do Spitfire da Royal Air Force (força aérea britânica) tiveram uma idéia... Como o Spitfire tinha suportes sob as asas para bombas ou tanques,  veio a brilhante ideia de substituir as bombas por barris de cerveja. Além disso, com o Spitfire voando alto o suficiente, o ar frio em altitude gelava a cerveja, tornando-a pronta para o consumo no momento da chegada.
Em tempo, uma variação deste método foi utilizar um depósito de combustível de longo alcance, modificado para transportar cerveja em vez de combustível. Esta modificação recebeu uma denominação oficial “XXX”, que, ainda, também dá nome a mais uma cerveja. Conhecem?

Bom, mas voltando a Spitfire em um dos posts mais longs da história do MC.... Uma cerveja do estilo Kentish Ale. Paremos novamente.

Kentish Ale é uma denominação de origem, afinal, na Inglaterra os melhores lúpulos são plantados na região de Kent, mas apenas as cervejas produzidas em Kent podem ser chamadas de Kentish Ales. Ainda, foi em Kent que ocorreu a batalha da Grã-Bretanha, uma batalha aérea entre a Luftwaffe (força aérea alemã) contra a Royal Air Force durante a segunda guerra mundial.

A Spitfire, seguindo este estilo, é uma das mais clássicas e tradicionais cervejas Ale inglesas. Uma infusão de 3 lúpulos de Kent conferem uma bitter autêntica, cor de cobre, baixissima carbonatação, espuma bege e pouco persistente, aroma terroso carregado de frutas e lúpulo. Aliás, quanto lúpulo, de sabor, aroma e origem!

E a novidade é que, mesmo não tendo a Spitfire em cask, agora a teremos no Brasil em barril mesmo, o tal do keg. Já a temos, há algum tempo, engarrafada. Deve chegar por aqui em algumas semanas, o que, acreditem ou não, dá uma bela diferença no sabor, deixando-a mais fresca, já que não precisa ser pasteurizada como na garrafa. Mesmo que seja um pouco mais carbonatada, já que em keg há adição do gás, ainda é a Spitfire velha de guerra! ;)

Para quem tiver a oportunidade de provar a Spitfire em cask lá na gringa, é uma experiência válida e incrível. Nosso paladar – feminino e cervejeiro – amadurece, e hoje aquela quente e choca que me fazia caretas é uma cerveja respeitada e tradicional! Tê-la em chopp aqui será voltar um pouquinho no início da minha paixão, e é um acalanto pra aguardar minha tão esperada próxima viagem ao velho mundo – e velhos tempos.

Cheers!