quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Duchesse, uma perfeita nunca citada

Sobre mulheres e cerveja, há sim uma favorita.

Sempre me fazem esta pergunta, e minha resposta é que não há uma favorita. Há um estilo do momento, um rótulo que me encantou e repito por vezes. Há a mais comentada, a mais cara, a mais bem-quista. E então que percebi a recorrência em que peço a minha favorita.

Esteve presente na celebração do aniversário, no curso de sommelier, em chopp e garrafa, na loja de cerveja, no encontro com amigos. Sempre lá, eu sempre pedindo, ela sempre me fazendo sorrir. E nunca havia a colocado no hall das perfeitas, sequer citado seu nome: Duchesse de Bourgogne. Por que meu Deus?

Primeiro, um rótulo bucólico. Paz, pássaro, serenidade, seriedade. Pintura, muito amor.
A simplicidade. O rótulo é uma homenagem à Duquesa de Borgonha Mary, nascida no século 15 nos arredores de Bruxelas. Com 20 anos Mary herdou o ducado e ficou conhecida por ser uma mulher com temperamento forte e decidido, que fez com que a França reconhecesse o poder que a província de Borgonha tinha. Mas aos 25 anos a duquesa faleceu em uma queda de cavalo perto da região de Bruges.
Até hoje, é uma cerveja que nos remete à realeza. Não só pelo nome, mas por alguns fatores curiosos, como ter sido servida no casamento real do príncipe Frederik da Dinarmarca com a princesa Mary, em 2004. Coincidência?

Segundo, um estilo diferenciado, que pode ser o primeiro passo ao estilo mais difícil das cervejas, ou completamente mal-interpretado. A Duchesse (não confundam com a Duchessa, da Birra del Borgo) é uma Flanders Red Ale, estilo tradicional da região de Flandres na Bélgica (ou grande-Bruxelas), mais parecido com vinho, por conta de sua cor e sabor acético, ou “avinagrado”. Produzida desde 1885 pela Verhaeghe-Vichte, é envelhecida por anos em barris de carvalho compostos por lactobacilos responsáveis por "azedar" a bebida. Mas o produto final, engarrafado e refermentado na garrafa, é um blend geralmente feito entre três safras, de 6, 12 e 18 meses. Para isso, além do cervejeiro está envolvido o trabalho de um blender especial para esta “alquimia”.

O resultado é uma cerveja delicada porém complexa, de 6.2% de álcool, com aromas adocicados, que remente à cerejas e frutas vermelhas, mas com notável acidez balsâmica. Seu corpo, médio, de tom marrom acobreado, levemente turvo, servido em taças, tem uma espuma de baixa formação e persistência. No paladar, já nem tão doce, explode uma complexidade de gostos, um dulçor de malte mais frutado, uma acidez intensa, melaço e vinagre se equilibrando, notas salgadas de leveduras, amadeirado das barricas, frutas secas e até mesmo taninos suaves, o que a leva tão próximo do mundo do vinho. A Duchesse inclusive é considerada a cerveja que contem notas mais vinificas dentre as cervejas. O final é seco, ácido e ávido por mais um gole.

Além de uma das minhas perfeitas, a Duchesse de Bourgogne é, assim como a Rodenbach Grand Cru, seu “primo-irmão” (uma versão “pour homme” dela, comparando dulçor e acidez), uma das mais conhecidas e importantes representantes do estilo. Gosto de harmoniza-las com sobremesas cremosas sem chocolate, ou quebrando caldos gordurosos.

Hoje já encontramos a Duchesse em versões long neck, mas eu gosto do tradicional, a garrafa rolhada, que está aqui, de abajour, me acompanhando nos estudos.

Perfeita até pra isso!

Santé!