quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Grand finale (russian style)

A vida segue, e a gente tenta tirar sempre o melhor de tudo isso. E no meio de uma mudança abrupta, um jantar entre amigos, que estão sempre por perto. Jantar queima de estoque, como chamamos, que marcou a última noite no apê. Resolvi celebrar – embora não fosse motivo de comemoração, mas de novo, tirar o melhor de tudo – e fazer um jantar de harmonização. Meio confuso, confesso, mas que no final das contas foi como sempre inesquecível.

Nesta noite, entre IPAs, Wheatbeer e Lagers, um grand-finale! E é sobre esta “receita” que falo hoje, a da sobremesa. No sábado anterior, indo para a aula, estava lendo a coluna da Cilene Saorin na Revista Mesa, um dos materiais que temos no curso de Sommelier, e ela falava da combinação Stout + sorvete de baunilha. E minha mente foi além... E então a Sandra, do Cevadaria, me sugeriu a Old Rasputin para esta harmonização.

Não sei quem acertou mais.

A Old Rasputin é uma Russian Imperial Stout, o estilo de cerveja mais intenso e encorpado. Aliás, coincidência ou não, segundo relatos históricos o estilo foi feito sob encomenda em meados do século 18 pela Rainha Catarina II da Rússia, que naquela época comprava barris de cerveja escura feitos em Londres. Era então uma Stout "anabolizada", com mais malte e maior teor alcoólico, exatamente para não congelar na viagem, já que tinha que suportar a congelante viagem pelo mar Báltico. Foi então honrosamente chamada de Russian Imperial Stout.

Na garrafa, de rótulo interessante - figura esquisita do barbudo fazendo um sinal sinistro – com uma imagem (e nome) baseada em Grigori Rasputin, um conselheiro paranormal da Rússia Czarista, considerado um bruxo ou "monge do mal" por muitos, que viveu no século 19 mais de 100 anos após o reinado de Catarina I. A Old Rasputin, produzida pela North Coast Brewing Company, cervejaria americana da Califórnia, é uma cerveja escura, preta, bem densa e opaca, com espuma de ótima qualidade e estabilidade. No aroma, notas de café e malte torrado e já podemos notar o álcool. De corpo denso e forte, no gosto sentimos o malte torrado, o amargor terroso (no gosto, retrogosto, aftertaste, o que quiserem chamar, afinal são 75 IBU) e uma pontinha de chocolate de final seco. É, afinal, uma cerveja equilibrada, de alta cabornatação e altíssimo aquecimento. Boa para fechar a noite, principalmente em dias frios. Sugere-se que estejam acompanhados, afinal são 9% de abv! ;)

Na taça, duas bolas de sorvete, uma dose do tal honroso líquido negro acima e, sobre a espuma formada que condensou, cobertura de chocolate Hersheys, que tem um sabor de chocolate mais intenso que as coberturas para sorvete (não é doce tipo candy sugar, é mais maltada e com sabor de “chocolate do padre”, ou cacau). Nota para o approach estético: 10!

No sabor, a quebra de paradigmas. O intenso amargor e secura da Old Rasputin eram atenuados pelo sorvete de baunilha e complementado pelo chocolate. O caldo formado pelo sorvete derretido e a cerveja na taça adicionava a baunilha à cerveja, trazendo um terceiro sabor, licoroso, ainda um tanto amargo mas com uma finalização da baunilha e um aroma de chocolate que invadia toda a taça. Intenso para os amigos não cervejeiros; e surpreendente mesmo para os que sabem que eu sempre tenho algo na manga nos jantares que marco com a querida “equipe”. E, confesso, surpreendente até para mim, que já havia harmonizado tantas vezes a combinação Stout + sobremesa, mas que esta ficou incrivelmente (e emocionalmente) inesquecível.

Perfeita para encerrar um ciclo e começar um ainda mais intenso!