A vida segue, e a gente tenta tirar sempre o melhor de tudo
isso. E no meio de uma mudança abrupta, um jantar entre amigos, que estão sempre
por perto. Jantar queima de estoque, como chamamos, que marcou a última noite
no apê. Resolvi celebrar – embora não fosse motivo de comemoração, mas de novo,
tirar o melhor de tudo – e fazer um jantar de harmonização. Meio confuso,
confesso, mas que no final das contas foi como sempre inesquecível.
Nesta noite, entre IPAs, Wheatbeer e Lagers, um
grand-finale! E é sobre esta “receita” que falo hoje, a da sobremesa. No sábado
anterior, indo para a aula, estava lendo a coluna da Cilene Saorin na Revista
Mesa, um dos materiais que temos no curso de Sommelier, e ela falava da
combinação Stout + sorvete de baunilha. E minha mente foi além... E então a
Sandra, do Cevadaria, me sugeriu a Old Rasputin para esta harmonização.
Não sei quem acertou mais.
A Old Rasputin é uma Russian Imperial Stout, o estilo de
cerveja mais intenso e encorpado. Aliás, coincidência ou não, segundo relatos
históricos o estilo foi feito sob encomenda em meados do século 18 pela Rainha
Catarina II da Rússia, que naquela época comprava barris de cerveja escura
feitos em Londres. Era então uma Stout
"anabolizada", com mais malte e maior teor alcoólico, exatamente para
não congelar na viagem, já que tinha que suportar a congelante viagem pelo mar
Báltico. Foi então honrosamente chamada de Russian Imperial Stout.
Na garrafa, de rótulo interessante - figura esquisita do
barbudo fazendo um sinal sinistro – com uma imagem (e nome) baseada em Grigori
Rasputin, um conselheiro paranormal da Rússia Czarista, considerado um bruxo ou
"monge do mal" por muitos, que viveu no século 19 mais de 100 anos após
o reinado de Catarina I. A Old Rasputin, produzida pela North Coast Brewing Company, cervejaria americana da Califórnia, é uma cerveja escura, preta, bem
densa e opaca, com espuma de ótima qualidade e estabilidade. No aroma, notas de
café e malte torrado e já podemos notar o álcool. De corpo denso e forte, no
gosto sentimos o malte torrado, o amargor terroso (no gosto, retrogosto,
aftertaste, o que quiserem chamar, afinal são 75 IBU) e uma pontinha de
chocolate de final seco. É, afinal, uma cerveja equilibrada, de alta
cabornatação e altíssimo aquecimento. Boa para fechar a noite, principalmente
em dias frios. Sugere-se que estejam acompanhados, afinal são 9% de abv! ;)
Na taça, duas bolas de sorvete, uma dose do tal honroso
líquido negro acima e, sobre a espuma formada que condensou, cobertura de
chocolate Hersheys, que tem um sabor de chocolate mais intenso que as
coberturas para sorvete (não é doce tipo candy sugar, é mais maltada e com
sabor de “chocolate do padre”, ou cacau). Nota para o approach estético: 10!
No sabor, a quebra de paradigmas. O intenso amargor e secura
da Old Rasputin eram atenuados pelo sorvete de baunilha e complementado pelo
chocolate. O caldo formado pelo sorvete derretido e a cerveja na taça
adicionava a baunilha à cerveja, trazendo um terceiro sabor, licoroso, ainda um
tanto amargo mas com uma finalização da baunilha e um aroma de chocolate que
invadia toda a taça. Intenso para os amigos não cervejeiros; e surpreendente mesmo
para os que sabem que eu sempre tenho algo na manga nos jantares que marco com
a querida “equipe”. E, confesso, surpreendente até para mim, que já havia
harmonizado tantas vezes a combinação Stout + sobremesa, mas que esta ficou
incrivelmente (e emocionalmente) inesquecível.
Perfeita para encerrar um ciclo e começar um ainda mais
intenso!
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