sexta-feira, 3 de abril de 2015

Cerveja velha de guerra!

Pra falar da perfeita de hoje a gente volta um pouco no tempo... Primeiramente, 2008, o ano em que uma garota de sorriso largo e inglês macarrônico começa a trabalhar em um pub tradicional inglês, pertinho da famosa Picadilly Circus (ou, para os brasileiros atentos e turistas, perto da Lillywhites. Vcs sabem do que falo). Lá que conheci  - provei e odiei – a cask ale.

Cask ales, ou as “Real Ales”, são cervejas não pasteurizadas e não filtradas, condicionadas (inclusive na refermentação) e servidas a partir de um barril sem adição de pressão de nitrogênio ou gás carbônico. Para servir, já que não há pressão, uma torneira especial é utilizada, com bombas manuais ou elétricas – adoro as manuais, que são hidráulicas -  e dão aquele charme ao servir. Por estarem na temperatura ambiente e não terem pressão, apresentam uma carbonatação mais baixa e preservam assim suas características sensoriais. São mais terrosas, denotando o forte aroma de lúpulos ingleses, e os maltes e fermento aparecem nítidos e frescos. 


Na prática, falamos de uma cerveja quente e choca (definição honesta de quem tinha acabado de conhecer uma cerveja “diferente”). Na teoria, falamos da Real Ale, defendida pelos tradicionalistas como a cerveja de verdade. As Cask Ales são a base de toda a tradição cervejeira britânica. Com algumas modernizações à parte, os métodos são os mesmos utilizados há séculos. Esta tradição é tão forte que após sofrer um relativo declínio no final do século passado, um movimento de consumidores que buscava resgatar e preservar esta cultura chamado “Campaign for Real Ale” (ou CAMRA) exerceu com sucesso grande pressão política e cultural no mercado britânico. As Cask Ales hoje trazem até um selo do CAMRA que lhe dão notoriedade e respeito. Hoje, entendendo um pouco mais disso tudo, lembro-me dos festivais do pub e das minhas camisetas de uniforme com este selo que eu nem “conhecia mas hoje considero pacas”. Por enquanto, não temos Cask Ales no Brasil mas....

Eis que entra a Spifire.
Cerveja carregada de história, valor e muito sentimento. Feita pela Shepherd Neame, a cervejaria mais antiga da Inglaterra, que começou sua produção em 1698 (nome de uma de suas cervejas).  A Spitfire foi lançada em 1990, ano de comemoração dos 50 anos da batalha da Grã-Bretanha, para angariar fundos para ajudar os feridos e prejudicados em guerra, como soldados, filhos de pilotos e afins. Seu nome vem do caça britânico Supermarine Spitfire, que ficou famoso pela sua performance, mas principalmente por levar às tropas na Normandia barris de cerveja na segunda guerra. E essa é a melhor parte da história: imaginem que numa guerra, receber suprimentos de primeira necessidade já é complicado, então o que dizer sobre cerveja? Foi quando os pilotos do Spitfire da Royal Air Force (força aérea britânica) tiveram uma idéia... Como o Spitfire tinha suportes sob as asas para bombas ou tanques,  veio a brilhante ideia de substituir as bombas por barris de cerveja. Além disso, com o Spitfire voando alto o suficiente, o ar frio em altitude gelava a cerveja, tornando-a pronta para o consumo no momento da chegada.
Em tempo, uma variação deste método foi utilizar um depósito de combustível de longo alcance, modificado para transportar cerveja em vez de combustível. Esta modificação recebeu uma denominação oficial “XXX”, que, ainda, também dá nome a mais uma cerveja. Conhecem?

Bom, mas voltando a Spitfire em um dos posts mais longs da história do MC.... Uma cerveja do estilo Kentish Ale. Paremos novamente.

Kentish Ale é uma denominação de origem, afinal, na Inglaterra os melhores lúpulos são plantados na região de Kent, mas apenas as cervejas produzidas em Kent podem ser chamadas de Kentish Ales. Ainda, foi em Kent que ocorreu a batalha da Grã-Bretanha, uma batalha aérea entre a Luftwaffe (força aérea alemã) contra a Royal Air Force durante a segunda guerra mundial.

A Spitfire, seguindo este estilo, é uma das mais clássicas e tradicionais cervejas Ale inglesas. Uma infusão de 3 lúpulos de Kent conferem uma bitter autêntica, cor de cobre, baixissima carbonatação, espuma bege e pouco persistente, aroma terroso carregado de frutas e lúpulo. Aliás, quanto lúpulo, de sabor, aroma e origem!

E a novidade é que, mesmo não tendo a Spitfire em cask, agora a teremos no Brasil em barril mesmo, o tal do keg. Já a temos, há algum tempo, engarrafada. Deve chegar por aqui em algumas semanas, o que, acreditem ou não, dá uma bela diferença no sabor, deixando-a mais fresca, já que não precisa ser pasteurizada como na garrafa. Mesmo que seja um pouco mais carbonatada, já que em keg há adição do gás, ainda é a Spitfire velha de guerra! ;)

Para quem tiver a oportunidade de provar a Spitfire em cask lá na gringa, é uma experiência válida e incrível. Nosso paladar – feminino e cervejeiro – amadurece, e hoje aquela quente e choca que me fazia caretas é uma cerveja respeitada e tradicional! Tê-la em chopp aqui será voltar um pouquinho no início da minha paixão, e é um acalanto pra aguardar minha tão esperada próxima viagem ao velho mundo – e velhos tempos.

Cheers!

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